As Pupilas do Senhor
Reitor [Record, 368 pgs, R$32,90] é um clássico da literatura portuguesa. Como o título sugere, as
personagens principais são as pupilas do S. Reitor. Margarida e Clara são
irmãs, mas uma é o oposto da outra. Enquanto a mais velha, Guida, é reservada e
dada às tristezas e melancolia da vida, a outra é alegre, brincalhona e de uma
ingenuidade própria das raparigas (leia-se moças) de virtudes do século XIX. A
trama gira em torno do já citado S. Reitor, as suas pupilas, o José das Dornas
e seus filhos, Pedro e Daniel. Este último, que deveria ter sido padre, não
fosse por sua paixão pela pequena Guida – os dois eram crianças – é o caos que
agita toda a história. Mandado para a cidade do Porto, Daniel volta já médico
para a aldeia onde nascera e passara a infância e causa agitação na pacata
aldeia. Suas ideias modernas chocam o médico octogenário, João Semana, e a
princípio há certa disputa entre o velho e conservador; o novo e o
progressista. Pedro, irmão mais velho de Daniel, apaixona-se por Clara e seu
amor é correspondido. Vão se casar. Mas a chegada do irmão mais novo poderá
estragar os planos do irmão, pois sua inclinação a seguir todos os [tolos]
desejos do coração ameaça acabar em tragédia. Pois Daniel, que gostava lá de
raparigas charmosas, encantou-se pela Clara, que logo seria sua irmã. Sabendo
que isto não daria em um final feliz, o moço abandona certa ideia que fez da
sua cunhada. Mas como é jovem e tolo, segue o seu coração e nega a razão. Já
Margarida, que sempre sofreu a partida do amado Daniel, choca ao saber que dela
ele se esquecera. Pois o amor que sentia pelo Daniel menino, também o sentia
pelo Daniel já homem. Mas por causa dos sofrimentos da vida, dos maus-tratos
que recebeu da madrasta, pegou certo gosto amargo pela vida e cresceu abnegando
a si mesma e aos seus desejos. Devotara-se a cuidar da sua irmã Clara, porque
sabia que faltava para esta certo juízo.
Mas Daniel não faz
questão por Margarida, mas sim por Clara. Pedro que devia ter cuidado com o
irmão tolo, pois este estava apto a roubar a sua noiva. Clara, a princípio, não
suspeitara do irmão do noivo. Pois ela era ingênua e não via o mal no mundo e nem
na boca das pessoas. Que se falassem o que não era verdade, pois ela não se
importava. Mas de tanto ver insistência em Daniel a lhe galantear e lhe querer
bem, começa a desconfiar das intenções do rapaz. E é aí que o palco para uma
tragédia se monta.
Uma vida guiada apenas
pelo sentimento é muito arriscada. Pois sabemos que o sentimento não é lá muito
sensato, e a razão reclama e muito bem
sobre a tolice de ser guiado pelo coração. O coração do homem é enganoso e pode
nos levar a destinos fatais. Já a vida que é vivida como se tudo fosse alegrias
e cantigas, como se tudo fosse de bem a melhor e que não se existia maldade no
mundo e nas pessoas, também é muito arriscada. Pois mesmo que nada fizermos de
errado, basta uma má língua interpretar certa atitude sua para daí transformar
em algo muito pior, a valer-lhe a sua boa índole. Alegria e apenas alegria é
negação da realidade. Mas mesmo se vivermos apenas a pensar na realidade e nas
suas consequências, a sentir o fardo da vida e a olhar para ela com um olhar
pessimista e de melancolia, como se nada pudesse nos fazer feliz, é um desperdício.
Decerto que esse modo de vida traga prudência e sabedoria, mas não traz a
alegria do dom de viver e de deleitar-se com as coisas boas que Deus nos
oferece aqui na Terra. Pois assim era a vida de Daniel, Clara e Margarida. Esses
três são os principais desse romance, que poderá ter um final trágico. Mas nem
tudo é apenas tragédia, pois o autor arranca risadas do leitor com as
personagens que são tão peculiares e de língua afiada. É um romance que nos
transporta para um época onde o respeito ainda valia alguma coisa, e a moral
era vista como algo a se prezar. Um ótimo livro, e um dos melhores já lidos em
2017.
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