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A alma do mundo, de Roger Scruton


Para Roger Scruton, um dos filósofos mais importante da atualidade, não podemos explicar o mundo apenas pelas ciências naturais. Em seu mais recente livro publicado pela Editora Record, Scruton argumenta contra essa tendência de querer explicar cientificamente o que não se pode ser explicado cientificamente. O indivíduo, o self, não pode ser analisado pela ciência com o propósito de explica-lo, assim como o mundo, a música, a religião, o sagrado e as relações eu-você. Nos primeiros capítulos a compreensão pode ser um pouco difícil, pois o filósofo contrapõe os argumentos científicos (como a psicologia evolutiva) que afirma que o que fazemos é determinado pelos nossos genes. Mas não tentarei explicar o que é bastante complicado para entender, por isso deixo essa tarefa para o próprio Scruton.

As nossas associações, o nosso ato de sacrificar pela família ou pátria, nossos contratos, relacionamentos e até a nossa crença faz parte de um mundo que não se pode explicar pela ciência. O nosso mundo tem uma alma, e esta alma fala conosco de forma muito particular e nos convoca a agir da maneira correta como, por exemplo, enfrentar a morte para proteger aqueles a quem amamos. A nossa busca por compreensão e sentido da vida é algo natural do nosso ser, que é transcendental. Somos desse mundo, mas há algo que nos diz que viemos de algum lugar fora do espaço-tempo e para lá retornaremos. A questão da morte deve ser enfrentada como a passagem para uma vida que será realmente vivida, não como um fim em si mesma. Há na natureza elementos que apontam para o sagrado, mas com o passar dos séculos, foram sufocados pelo uso utilitário das coisas. Para nos sentirmos em nosso lar, as construções antes seguiam um padrão – um padrão transcendental. Ao olharmos para os prédios da antiguidade, Scruton diz, olhávamos para um prédio que olhava para nós – que tinha uma alma. Os prédios não poderiam ultrapassar certa altura, pois o Templo – sinal de que o deus estava olhando para nós – era, de certa forma, o guardião da cidade e o qual estava próximo, mesmo distante. Essa tradição foi perdida através dos tempos, e agora tudo o que percebemos ao olhar para um prédio – uma cidade em si – é apenas algo feio, sem significado ou valor. Nossa cidade, o lugar onde nos assentamos e criamos raízes, agora é um lugar estranho e desprovido de beleza.

Roger Scruton sempre me surpreende, e neste livro fiquei ainda mais encantado com este Sir. Ao explorar o mundo dos sujeitos, e não dos objetos, ele nos diz que o nosso eu não existe sem um você, e que este eu encarna nesta carne, às vezes tão estranha, e se expressa através do nosso rosto. Nossa face é o nosso eu visível para os outros, e ao olharmos para um outro eu – olhar para os olhos de uma outra pessoa –, nós estamos invadindo e perscrutando o sujeito que é você. É um argumento brilhante e surpreendente, o que nos faz concordar com o filósofo. Só tratamos uma pessoa como um sujeito, e não como um objeto, quando o olhamos como um outro eu, dotado de autoconsciência e vontades. Quando perdemos essa compreensão, o que aconteceu após a Queda, passamos a tratar o próximo como objeto. Já não encaramos o eu nos olhos, mas sim o objeto que poderá nos dar prazer, alegria, ou alguma vantagem. Tratamos o outro como apenas um objeto, que pode ser usado – p.ex a pornografia – sem ter essa relação eu-para-você. Outro argumento maravilhoso que se dá no livro é sobre a música, a compreensão da mesma e como ela nos fala de algo que não pode ser explicado cientificamente – ou tecnicamente. O leitor pode estranhar sobre este assunto, mas acredito que terminará a leitura compreendendo melhor a música e colocando em prática aquilo que foi dito pelo filósofo. Ou seja, começará a gostar da música clássica não como algo sem sentido, mas como algo que possui grande sentido para a nossa alma.

A busca por Deus em um mundo que se perdeu é compreendido como a busca pelas demais coisas, que possuem essa transcendência em si e aponta para um mundo inacessível para nós no agora. Deus está presente, mas de alguma forma se mantém distante. É um dos dilemas que o ser humano enfrenta, mas que traz consolo. 

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