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A hipótese humana, de Alberto Mussa


Um romance policial de assunto histórico, segundo o próprio escritor. Rio de Janeiro, século XIX. Um crime não solucionado, e um desfecho um pouco óbvio. Em A Hipótese Humana, o quarto livro do compêndio mítico sobre os séculos da história do Rio. De fato, mítico. Não li os três livros anteriores, mas neste o mito está bem presente. Assim como as crenças e rituais místicos daquela época. Domitila, filha do coronel Francisco Eugênio, é encontrada morta em seu quarto. Mas sabemos que Tito Gualberto lá esteve antes do assassinato (?) da sua prima, e amante. O coronel escuta barulhos vindos do quarto provisório da filha, situado no térreo ao lado da biblioteca, e adentra-o tarde demais, pois só vê um vulto além da janela e dispara contra quem quer que seja. O detetive, ou investigador, como você queira chamar, é o próprio Tito, amante da vítima. Suspeita primeiramente do marido de Domitila, Zé Higino. Mas tudo parece muito confuso, e o caso mostra ser bem mais complexo do que se imagina.

O narrador, não se sabe quem, mas que sabe de tudo e conhece a todos, explica ao leitor fatos e curiosidades de um Rio há muito distante. Discorre sobre as diferenças entre os escravos, como, por exemplo, suas religiões, fraternidades e nacionalidades. Conta um pouco sobre a história dos principais locais da trama, além de falar sobre algumas lendas e mitos daquela época. Voltando ao investigador do crime, Tito trabalha para o que o hoje nós chamamos de serviço secreto, mas da Corte – pois em 1854 a monarquia ainda reinava. Era um capoeira, tinha espírito de serpente. Sortudo, mas não tanto. O leitor perceberá certa ironia quando o crime for solucionado e o assassino for, implicitamente, descoberto. Não darei mais detalhes, embora queira muito, pois seria acusado de um crime quase mortal: o do spoiler.

Imaginar uma cidade como o Rio, se bem que podemos imaginar o Brasil, tranquilo e sem essa espantosa violência de hoje é quase impossível. Mas ao ler este romance policial, lemos um retrato de um Brasil onde a violência não massacrava o seu povo, nem roubara a sua liberdade.

A verdadeira onda criminal que engolfava o Rio de Janeiro, os crimes que ocupavam as autoridades do tempo eram aqueles cometidos pelos famigerados capoeiras. Embora provocassem grande pânico, deixando na cidade uma sensação de insegurança, era uma criminalidade essencialmente endógena: capoeiras vitimavam capoeiras, membros de grupos rivais, durante conflitos de rua, do que resultavam alguns feridos e uma ou outra morte ocasional. […] o nível de violência era baixo para uma cidade já tão desenvolvida como a então capital do Império. […] a cada mil prisões efetuadas naquela década, apenas uma envolvia homicídio – e somente seis os casos de assalto à mão armada.


Uma leitura agradável e instigante. O primeiro livro do Alberto Mussa que leio, e que acho muito bom. Uma certa figura polêmica declarou que ele era o único escritor brasileiro vivo. Se eu concordo, não sei. Mas quem sou eu? Apenas um leigo escrevendo sobre minhas experiências literárias. É o que tenho a oferecer, pois ainda tenho muito o que aprender. 

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