Um romance sobre fé, tentação, apostasia e o silêncio de Deus. Ao saber que o padre Ferreira havia apostatado no Japão – pano de fundo desse intenso e angustiante romance –, os padres Rodrigues e Garpe decidem ir ver com os próprios olhos se tal informação procedia. Também decidiram ir para dar o pão aos famintos cristão japoneses, que não tinham mais alguém que os instruísse na fé e os ensinassem as doutrinas do cristianismo. Mesmo sabendo dos perigos que enfrentariam, pois o magistrado Inoue era conhecido além-mar por sua fúria e métodos cruéis para com aqueles que professavam e não negavam a fé em Deus. Mas, ao chegar clandestinamente ao Japão e ver em quais condições aqueles pobres coitados camponeses viviam, uma batalha interior emerge de dentro da alma dos padres – mais em Rodrigues, do que em Garpe. Pouco conhecemos o padre Garpe, pois a narrativa é do próprio Rodrigues que enviara cartas à Portugal, terra dos dois sacerdotes, e depois um narrador em terceira pessoa dá prosseguimento aos relatos da vida de Rodrigues.
O
ser humano é estranho. Em algum lugar do coração, ele tem sempre o
sentimento de que triunfará, não importando quais perigos enfrente.
É tal qual nos dias de chuva em que acreditamos enxergar débeis
raios de sol numa colina distante. (p. 68)
A
fé somente se torna inabalável quando ela é abalada, e daí se
sabe se a fé que possuímos era autêntica – fincada em raízes
profundas – ou se ela é apenas o resultado de ações exteriores
que de nada adiantam para nutrir a fé que nunca morrerá nem
vacilará, mesmo nos momentos mais difíceis. E é ao ler a história
de um Japão hostil ao cristianismo que o leitor cristão se pega a
pensar o que eles fariam em tal situação. Fugiria? Apostataria?
Amaldiçoaria o nome de Cristo Jesus, assim como a mulher de Jó o
aconselhou? Ou ficaríamos como Jó, que mesmo com todas as
dificuldades e sofrimentos, não O negou? O silêncio de Deus é algo
que nos incomoda, e incomoda o padre Rodrigues. Muitas vezes lemos
sua indagação ao Pai Criador do porquê Ele continuar em silêncio,
mesmo quando os seus filhos sofriam terrível perseguição e morriam
uma morte extremamente dolorosa. O padre Rodrigues tem fé, mas
também é humano. E como todo ser humano, ele não entende como Deus
pode se calar em situações injustas. Mas Deus é Absoluto, e mesmo
não entendendo o que está acontecendo, Ele sabe de todas as coisas.
Mas a situação de Rodrigues era outra, e por muitas vezes pensa em
dar fim de uma vez por todas com o sofrimento daqueles pobres que
eram explorados pelas autoridades japonesas. Eram pobres e eram
escravos, mas suas almas eram livres. E assim, muitos se reuniam
secretamente para os sacramentos, confissão dos pecados, batismo.
Mas
Cristo não morreu pelos bons e belos. É bastante fácil morrer
pelos bons e belos; o difícil é morrer pelos desgraçados e
corruptos – eis do que me dei intensamente conta naquele momento. (p. 72)
★★★★ |
O
cristianismo não fincava as raízes no japão de 1638. Os
missionários encontravam grandes dificuldades para espalhar as Boas
Novas naquele país. Mas houve um tempo em que o cristianismo era
bem-vindo, e muitos tinham sido cristãos – ao menos 300 mil. Mas o
que levara, mais adiante, o cristianismo ser considerado como o
inimigo do Japão? Talvez porque o cristianismo ameaçava o budismo,
religião dos japoneses. Talvez por ressentimento. Silêncio é um
romance denso, angustiante e metafísico. Ao lermos, não apenas
sabemos como era o Japão há tantos séculos atrás, mas também nos
vemos envolvidos com a aflição de cristãos que estavam provando o
silêncio de Deus. Ele estava em silêncio, mas a cada parágrafo que
lemos, Ele está lá. Aqueles que morreram no suplício do poço
certamente não morreram por um deus estranho. Ficamos decepcionados
– é essa a palavra certa? – com o desfecho de Rodrigues. Nos
apegamos a essa personagem que tão nos é familiar, mesmo com
séculos nos distanciando. O silêncio que o padre clamava para ser
interrompido, é o mesmo silêncio pelo qual passamos. Queremos ouvir
a sua Voz, mas em resposta há apenas silêncio. Mas isso não quer
dizer que Ele não exista, ou que não está conosco. Ás vezes o
silêncio também é uma resposta, mas é impossível imaginar como
nos comportaríamos em tal situação.
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