Muitos veem a morte
como um tabu. As histórias não mais abordam esse tema, seja por medo ou por não
criar interesse no leitor. É um tema pesado, sombrio, complexo e inevitável. A
morte vem para todos, não há como escapar. E Karl Ove Knausgård não teve medo e escreveu um livro sobre a morte
do seu pai. O primeiro da série Minha
Luta, que despertou grande interesse em leitores de todo o mundo, é
profundo, inquietante e prazeroso. Não sei se posso defini-lo como
autobiográfico, mas Karl Ove relembra de um episódio que o levou a escrever
esse primeiro volume. Quando criança, uma notícia de que um navio havia
naufragado despertou o interesse do jovem Karl Ove. Ao olhar para a televisão,
viu a figura de um rosto formado pelo mar. Foi tão marcante que ele, com certo
medo, conta ao pai o que tinha visto e fica pensando sobre isso durante dias –
pensando também em como provar de que ele realmente vira um rosto. A relação de
pai e filho não é das melhores. O pai é distante e causa medo nos dois filhos,
e esse distanciamento só aumenta conforme o pequeno Karl vai crescendo. A
narrativa é impressionante, fisga o leitor e não o larga mais. Mergulhamos na
época de 70/80 na Noruega e nos identificamos com aquele adolescente que estava
descobrindo a vida, e suas complexidades.
★★★★★ |
A morte tem certo
mistério, encanto. Acredito que não tocar nesse assunto, nos romances
contemporâneos, seja o resultado de uma morte da literatura como objeto para
entender e encarar a vida. Tantos ‘tabus’ são quebrados, mas ninguém é forte ou
progressista o suficiente para falar sobre a morte que nos circunda
diariamente. Há trechos memoráveis sobre como a sociedade encara
aquela-que-não-deve-ser-nomeada. E é por essa escrita sem eufemismos, crua
mesmo, que Karl Ove me encantou. O livro por si já é polêmico, pois o autor
envolveu toda a sua família em uma história que ganhou a atenção do mundo. Quem
gostaria de ter sua vida exposta em um livro? Comprou uma briga com a própria
família, e metade dela cortou relações com ele. O livro aborda vários temas,
como solidão, amizade, descoberta sexual, o cenário musical daquela época (sim,
podemos ler ouvindo algumas das músicas que são destacadas no livro), reflexões sobre a escrita, mas o mais
forte continua sendo a morte e a sua relação difícil com o pai.
“Uma cidade que não mantenha seus mortos longe dos olhos, que os deixe jazer nas ruas e calçadas, parques e estacionamentos, não é uma cidade, e sim um inferno. Não importa que esse inferno reflita de modo mais realista e profundo nossa conduta. Sabemos que ela é assim, mas nos recusamos a encará-la. Eis o ato coletivo de repressão simbolizado no ocultamento dos nossos mortos.”
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