Todos tiveram amigos
que um dia, infelizmente, se tornaram mais um rosto nos corredores da vida. Ao
pensar em nossa infância, a nostalgia toma conta dos nossos sentimentos e tudo
o que mais queremos é voltar a ser criança. Gordie Lachance é um escritor e, ao
ver dois garotos de bicicleta passando pelo seu carro, lembra-se do seu melhor
amigo Chris Chambers, morto a facadas em um restaurante. Olhando para o jornal que
trazia essa trágica notícia, Gordie viaja ao passado e leva o público como
acompanhante. Gordie, Chris, Teddy Duchamp e Vern Tessio são as crianças que um
dia nós fomos. Aos onze anos, tudo o que aqueles garotos queriam era uma
aventura. E não há nada mais empolgante e aventureiro do que sair em busca de
um corpo. Inspirado no conto de Stephen King (The Body), Stand by Me ou Conta Comigo
(tradução brasileira), o longa-metragem de Rob Reiner é um clássico atemporal.
A trama se passa durante a década de 60 e todos os elementos, músicas, moda,
etc. saltam aos olhos como uma lembrança de como o mundo era simples, mas não
simplista. Há coisas na vida que o tempo não pode mudar e os problemas que
existiam no século passado, ainda perduram em nossos dias. Rejeição dos pais, pais
alcoólatras e doentes da cabeça, o sofrimento de ver um irmão morto e se sentir
culpado por isso, ser estigmatizado como um delinquente pelo fato de ser membro
de uma família de delinquentes. Os garotos enfrentam todos esses problemas, mas
podem contar uns com os outros e por isso o título do filme é perfeito.
Quando Vern descobriu
que o irmão e o amigo encontrou o corpo de um adolescente que havia
desaparecido, não hesita em propor aos demais que saiam em busca desse corpo
para, consequentemente, aparecer na televisão! A inocência das crianças está
prestes a se perder quando, ao encontrar o corpo, os sentimentos que lhes
atravessam é o de pesar. Nos dias em que vivemos muitos podem se chocar ao ver
garotos de 11 anos fumando, mas não há problema algum se pegarmos o contexto em
que a trama é narrada. Quem dera se o nosso único problema fosse o de que
crianças estivessem fumando! Ao concordarem com Vern, os garotos não tinham em
mente de que os seus medos seriam expostos e enfrentados, e ao voltar, estariam
diferentes e com um pé no mundo dos adultos. Vemos que os adultos costumam ser
bem piores do que pensamos e nos envergonhamos com isso. Os pais de Gordie
nunca o notaram, sequer o conheceram de verdade, pois toda atenção era voltada
para o filho mais velho que era jogador no time da escola. Ele era o único
que conhecia Gordie, e este o tinha como seu melhor amigo. Mas o seu irmão
morreu, os pais ficaram distantes e Gordie virou uma espécie de filho
invisível. E é em Chris que ele pode contar, um amigo que se mostra preocupado
e até mesmo transfere para si a responsabilidade de cuidar dele. Uma amizade
leal e muito bonita, algo raro em nossos dias.
Chris tem problemas na
escola e em sua casa. Todos o veem como um inútil, que não seria ninguém na
vida. Foi acusado de roubar dinheiro na escola e sofre com essa acusação. É em
Gordie que ele sabe que pode contar, o seu melhor amigo. Vern e Teddy têm
histórias difíceis, cada um a sua maneira. Teddy teve a orelha queimada pelo pai
e Vern também tinha seus problemas, não tão explícitos como os dos demais. Os
quatro garotos têm aquela sintonia e nada melhor do que eles a interpretar os
seus respectivos personagens. Há verdade em suas atuações, há sinceridade. E é
isso o que deixa o filme com aquele peso emocional, pois o que afeta a um,
afeta o outro. Tanto que não há como não chorar ao ver Chris desabando ao
contar sobre o tão falado roubo que cometera. Teddy se desespera quando o pai é
chamado de lunático. Vern entra em desespero na cena da ponte (difícil alguém
não se desesperar junto com ele e também dar boas gargalhadas). Gordie, em uma das cenas mais
tocante e bela, chora ao trazer a tona seus sentimentos de luto pelo irmão, o
desprezo que o pai nutria por ele. E, mais uma vez, pode contar com o seu
melhor amigo Chris. Nós também choramos com o Chris.
O Gordie já adulto e
escritor faz aquilo o que Chris o aconselhara a fazer durante a aventura de suas vidas (quando não souber o que escrever, escreva sobre nós e a nossa aventura).
Em um daqueles momentos de crise existencial, ele se pergunta se é estranho. A
clássica frase “Eu sou estranho? Sim. Mas
e daí? Todo mundo é estranho” é dita na cena onde os meninos caminham sobre
os trilhos do trem (Stranger Things faz referência ao filme naquela cena onde
os quatro amigos também caminham sobre os trilhos em busca do corpo de Will Byers). Ao dizer que iria estudar
com Chris quando as aulas começassem, este diz ao amigo que ele não pode fazer
isso, pois é inteligente e iria se tornar um escritor famoso. Mas a ideia de
não ver mais o seu melhor amigo deixava Gordie receoso, por isso queria estudar
com ele. Mas Chris é enfático e afirma que fará de tudo para que ele seja um
escritor famoso, pois esse era o dom que Deus havia lhe dado e quando recebemos
algo assim, não podemos desperdiçar. Numa demonstração bastante bonita, Gordie
também diz que Chris não poderia desperdiçar a sua vida. De que ele era capaz promete ajuda-lo com os estudos, o que realmente aconteceu.
Escrevi uma curta
opinião no Netflix afirmando que Stand by Me era um oásis no deserto chamado
século XXI. E acredito que estou certo, pois muitos daqueles valores se
perderam e o que vemos nos dias presentes é a banalização da amizade, que é
basicamente ligada ao interesse. A lealdade e o dever de ajudar um amigo
quando ele precisar já não é tão importante. Tudo é efêmero, vazio e sem cor. Esse filme nos deixa
vulneráveis, sedentos por aquelas amizades da infância e uma das últimas frases
do filme impulsiona-nos a pegar o telefone e ligar para aquele velho amigo que
não vemos há tantos anos. É um convite para sermos mais simples, lembrar de que
há coisas mais importantes do que dinheiro e poder e que amigos são verdadeiros
tesouros. Gordie não via há algum tempo Chris e quando leu no jornal que o
amigo tinha sido assassinado, lembrou-se de que nunca teria amigos como os que ele
teve aos 11 anos de idade. Meu Deus, quem é que tem?
Há muito ainda o que
escrever sobre esse filme, mas irei parar por aqui. Estou lendo atualmente “Quatro
Estações”, do Stephen King. Este é um livro de contos e um deles é o “Outono da
Inocência: O Corpo” que foi adaptado por Rob Reiner e virou esse clássico.
Sugiro a todos os fãs do filme a lerem o livro também, pois iremos nos
emocionar mais uma vez ao, agora, ler essa história que foi inspirada em um
acontecimento da vida do autor: Stephen King tinha apenas 12 anos quando voltava para
casa ao lado de um amigo, durante uma caminhada pelas áreas florestais do Estado
norte-americano do Maine, quando encontrou o cadáver de um rapaz da região, que
havia desaparecido dias antes. Como um primeiro contato real com a morte, o
fato marcou a vida do futuro escritor, que na idade adulta, adaptou tal
acontecimento, no formato de conto, chamado “Outono da Inocência: O Corpo” (The
Body), lançando no livro As Quatro Estações (Different Seasons, 1982). Tal obra
é marcada por trazer histórias mais voltadas para o drama e questões
existencialistas do homem, deixando um pouco de lado temas sobrenaturais. A
versão para o cinema de Conta Comigo viria quatro anos mais tarde, sob o
comando do diretor Rob Reiner (Lembranças de Hollywood, 1990) e está, até hoje,
como uma das melhores adaptações baseadas na obra de King feitas para a tela grande, (Boca do Inferno, por Felipe Falcão). Podemos interpretar que o Gordie é uma metáfora do Stephen King, que ao crescer e tornar-se escritor famoso, escreveu sobre o que tinha visto.
Lançado
em 1986, o filme completou 30 anos em 2016. A Columbia Pictures poderia fazer
um favor a todos os fãs e lançar uma edição comemorativa de 30 anos, ou 31, já
que estamos em 2017. Se você quiser comprar o DVD é praticamente impossível e o
Netflix retirou do seu catálogo.
NOOSSA! O enredo parece ser bem sensível... Já estou doido pra ler. Tudo que é relacionado a nossa infância nos toca. Pelo que você escreveu o livro é maior que isso, vai além pois ainda conta com os nossos relacionamentos familiares.
ResponderExcluirAbraços.
BLOG: http://obaucultural.blogspot.com/
Ainda estou lendo o livro, não vejo a hora de chegar no conto que deu origem ao filme. Mas pelo o que ouvi em um podcast sobre o filme, o conto traz uma realidade mais pesada do que a narrada no filme. Assista o filme e também leia o livro, garanto que irá adorar o filme!
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