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A morte de um autor e a busca pelo sentido da vida


Essa história daria um livro: você vai à delegacia e descobre, após ter uma briga com funcionários de um restaurante, que está morto. Foi exatamente isso o que aconteceu com o J. P. Cuenca. Decidiu transformar essa morte em um livro e filme, e o resultado é a história em busca de um sentido existencial, onde a morte é a principal protagonista. Atrás da mulher que havia encontrado o corpo com o seu nome e assinado o atestado de óbito, Cuenca entra em uma investigação para descobrir quem é essa mulher. E nessa busca, ele descreve um Rio de Janeiro como nunca pensávamos, denunciando suas mazelas e injustiças, a ambição de políticos e empreiteiras e a futilidade de uma classe artística e jornalística, que tentam dar às suas vidas um real sentido de felicidade, todas elas superficiais. 

Dar sentido à vida é um dos maiores anseios do Cuenca-personagem-autor nessa ficção autobiográfica, que mistura a realidade com a ficção e a loucura. Sabemos que o nosso sistema é movido à dinheiro, mas o real problema não é um sistema capitalista, mas sim os homens que fazem do dinheiro uma espécie de deus. E assim vivem, reverenciando e idolatrando aquele que irá jogá-lo em um abismo profundo, e quando se dão conta do abismo no qual se jogaram, correm enlouquecidamente atrás de algo que o salve de uma vida vazia. A morte ainda continua sendo um tabu, pois quase todos pensam que são deuses e que seus corpos corrompidos nunca irão apodrecer debaixo da terra. A urgência de ter é mais importante do que a de ser.

O autor-personagem é um observador do que acontece na cidade e descreve o que está ao seu redor de forma ácida. Com as Olimpíadas chegando, o prefeito trata de varrer os rastros de pobreza da cidade para deixar o Rio à altura do grande espetáculo desnecessário e que custaria bilhões ao povo carioca – e brasileiro. Dar o status de cidade de primeiro mundo aos olhos do mundo era o objetivo, mesmo que essa cidade estivesse prestes a falir. Tudo se resumia a ter. E por isso, talvez, a morte para Cuenca seria mais fácil do que viver uma vida sem sentido, rodeado de gente que só pensa em si mesmo e que, apesar de um discurso em prol dos pobres, nunca fez algo palpável para mudar a realidade daqueles que dizem defender.

“(...) a euforia e o autofascínio do carioca nos anos de 2010 eram insuportáveis; a Lapa revitalizada e iluminada era um ninho irrespirável de turistas, estupidez e obscuridade; e qualquer mesa ocupada por artistas cariocas era de uma vulgaridade torturante, com o desfile usual de pensamentos limitados – cheios de fórmulas e receitas, curvados aos fortes, às ideias vencedoras e antigas, ao patrimonialismo e à sede por dinheiro – emitidos por dois grupos principais: os que tinham recibos com o dinheiro do governo grampeados na testa e os que tinham recibos de emissora de TV, do jornal do mesmo grupo dos seus anunciantes grampeados na testa.” (pp. 48-49)

Descobri que estava morto ainda traz algumas reflexões e observações inquietantes sobre o mundo da escrita. Um livro sobre a morte e a vida, que mistura um sentimento de repulsa e compreensão, alegria e tristeza, que faz o leitor dar um sorriso para no próximo parágrafo ser surpreendido por uma observação que talvez lhe afete. Lançado em nova edição pelo selo Tusquets, J. P. Cuenca surpreende por não dar ao leitor fórmulas fáceis e uma história fácil, e deixá-lo naquele estado de inquietação durante e depois da leitura.

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