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Åsne Seierstad e o romance-reportagem de fôlego sobre o mais chocante atentado terrorista da Noruega

Åsne Seierstad
Em Um de nós, a jornalista e escritora norueguesa Åsne Seierstad investiga a história de vida de Anders Breivik e suas motivações para cometer o ataque terrorista nunca antes visto na Noruega. O título é perfeito, já que como Anders vivia a alertar a todos o perigo de um ataque terrorista muçulmano no país, ou seja, um ataque deles, o que aconteceu foi o inesperado: um de nós, ocidental, foi o terrorista que tirou a vida de vários jovens e deixou a Noruega em estado de choque. Um de nós que nos traiu; nunca imaginaríamos que isso pudesse acontecer, poderia ser qualquer um deles, mas um de nós? O mal não escolhe um lado, está tanto lá como aqui. E o que levaria um de nós a matar os nossos jovens? O que motivou Anders Breivik a trair o seu próprio povo? Lendo sobre a vida de Anders percebemos que ela não foi nada fácil. A mãe queria o abortar, mas por causa da insistência do pai, não o fez. Desde o ventre, Anders fora rejeitado. E assim foi a sua vida, marcada de traumas e ausências, principalmente a ausência de amor. Ainda quando criança, a mãe se desinteressa pelas crianças. Antes de Anders, Wenche tinha uma menina de outro relacionamento. Mãe solteira, encontra um homem bem de vida e logo se apaixonam. Mas nem tudo são flores, e Wenche descobre os defeitos do breve amor da sua vida e não quer mais levar o relacionamento adiante. A principio, tenta levar uma vida de aparências ao lado do pai de Anders, mas chega uma hora que não dá mais para suportar. Quando se separam, a situação piora. A mãe de Anders entra em seu próprio mundo e esquece de vez que é mãe de duas crianças. Logo vemos que se trata de uma mulher mentalmente perturbada, com ideias esquisitas e comportamento bipolar. E pensamos se tudo tivesse sido diferente, Anders teria se tornado nesse monstro? Acredito que não. Mas poderia ter sido diferente, ele poderia ser adotado, ou o pai poderia ter insistido em ficar com a guarda do menino. Mas por orgulho, Wenche luta para que isso não aconteça. Podemos dizer que essa mulher fracassou como mãe?

Seu melhor amigo na adolescência era um imigrante de algum país do Oriente, mas logo mais tarde Anders se voltaria para esse povo com um ódio cruel. Declaradamente de direita, Anders vai ao extremo e em sua insanidade tenta dar algum valor moral aos assassinatos que cometeria no futuro breve. Matar os marxistas culturais seria um ato de justiça; exterminar os marxistas culturais uma tarefa difícil, embora necessária. Mas Anders é cegado pela loucura do seu extremismo e não percebe que está alimentando o mal dentro de si, e que logo esse mal o contaminaria por completo. Ele fora uma criança esquisita e um adolescente problemático. Tentava se destacar em todas as coisas que fazia, principalmente na pichação. Anders desde aquele período de pichador mostrava ser obstinado para chegar ao lugar mais alto e ser reconhecido pelos outros. Na vida adulta, o alvo muda mas o objetivo era o mesmo: ser notado pelos outros. Agora, ele queria ser uma espécie de autoridade no assunto Islã e anti-islamismo e queria ser notado por aqueles que tinham fortes ideias contrárias à islamização da Europa e duras críticas contra o Partido Trabalhista Norueguês. E para Anders, nada melhor do que golpear o coração do Partido Trabalhista: a AUF, juventude trabalhista. Na visão dele, acabar com os futuros líderes do partido seria o início de uma guerra contra os traidores da Noruega. Para ele, o fim justificaria os meios: a superioridade da raça Europeia e do povo Norueguês era o que importava. Lembrou-se de alguém? Eu também. Muito embora sua ideologia política fosse contrária à do Hitler, o extremismo os unia.

Ler os capítulos em que Anders executava cruelmente e friamente cada jovem que estava no acampamento da AUF em Utøya foi a parte mais difícil da leitura. A riqueza dos detalhes, a pesquisa minuciosa para montar aquelas cenas novamente, foi realmente impressionante. A escritora, ao escrever um pouco sobre alguns jovens que foram mortos, faz o leitor se apegar e chorar com a morte deles. É um livro em memória às famílias das vítimas e aos sobrevivente, e um documento para que nunca nos esqueçamos do que o extremismo é capaz de fazer. É lembrar para não se esquecer, não virar só mais um caso de terrorismo na Europa. E também um alerta para não irmos tão longe com as nossas ideias políticas, não importa se de esquerda ou de direita, pois o extremismo mata, não importa se sejam um deles ou um de nós.

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