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A Poeira da Glória, de Martim Vasques da Cunha


O livrou do qual irei escrever um pouco é, digamos assim, difícil de escrever sobre. Por quê? A Poeira da Glória é um gigante de mais de seiscentas páginas em que o autor, Martim Vasques da Cunha, analisa nossa literatura de forma crítica. São vários ensaios reunidos e que deu como resultado uma fonte de pesquisa para todos aqueles que se interessam pela literatura brasileira. Mas, o livro não é qualquer livro que tenta explicar e analisar os autores do nosso cânone literário. O autor vai além, e toca na ferida de muita gente. Desmascara, posso dizer assim, a intenção de um Jorge Amado, Sérgio Buarque de Holanda, Graciliano Ramos, entre outros. É um daqueles livros que você não se dá conta do que está lendo até parar um pouco, tomar um fôlego, e retornar à leitura com mais calma e atenção. Pedi esse livro por causa dos excelentes elogios que o autor recebeu de escritores, filósofos, professores e pensadores que sigo nas redes sociais. Estava querendo ler o tal livro que o Francisco Razzo, Jonas Madureira, Rodrigo Gurgel tanto falavam. Qual foi a minha surpresa quando a editora Record me manda a lista de livros para escolher alguns para ser resenhado. Claro que não hesitei, A Poeira foi uma das minhas escolhas — que me consumiu meses e meses até concluir a leitura. Foram quase quatro meses para concluí-lo, e quando concluí, meu coração e intelecto agradecia.

Mas do que se trata o livro? Bem, eu podia só dizer que é uma história da literatura brasileira, mas é muito mais que isso. É uma análise, uma análise bem crítica mesmo, que não poupa nem Machado de Assis, que, segundo o autor, é um dissimulado. Cunha nos explica o que levou Assis a ser um dissimulado para poder escrever suas obras mais célebres. Por todo o livro, entre todos os autores que são objetos do estudo de Martim, vemos que a literatura para eles era uma ferramenta política. E também a busca por uma identidade nacional que os leva a um desespero e fuga da realidade, fazem com que se atenham ao Belo e se esqueçam do Verdadeiro.

Temos uma literatura fraca moralmente, mas esteticamente bela. Mas em meio desse deserto, Cecília Meireles, Otto Lara Resende, Nelson Rodrigues e Joaquim Nabuco são oásis. Eles não se deixaram se corromper na busca pelo poder, e não dissimulavam seus sentimentos. Encaravam a morte, coisa que os demais negavam com veemência. A Poeira é um livro que, para entender de fato o que está escrito nas páginas, que são de uma riqueza absurda, é preciso reler, e reler, e reler. Mas esse livro foi uma dádiva, que me ensinou a não trair a minha essência em troca de algo abstrato, a não abdicar da solidão e do autoconhecimento que ela propõem, a não trair os valores em benefício próprio ou até mesmo vender a alma ao diabo — o que vários autores gigantes da nossa literatura fizeram, mas para você poder entender o que é “vender a alma ao diabo” precisará comprar o livro e ler.

Em um país que esmigalha a vocação de cada um, o Belo se revela como seu avesso e então temos dentro da nossa própria pele aquela sensação terrível que Clara dos Anjos teve e transmitiu à sua mãe ao perceber a sua fragilidade diante da descoberta de que nossos sonhos não passam de poeira: “Nós não somos nada nesta vida.” Será?


Perdoem esse leigo que vos escreveu, mas espero que tenham entendido um pouco sobre esse livro maravilhoso. 

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