Verdade ao amanhecer mistura ficção e autobiografia. O livro
retrata o último safári de Hemingway na África com a sua mulher, a srta. Mary.
São mais de quatrocentas páginas que relatam sobre os costumes do povo africano, animais, lugares, sua cultura e religião. Para quem não está acostumado com esse tipo de leitura
e nunca leu nada do autor, vai achar o livro chato. Ernest Hemingway é um dos
grandes nomes da literatura contemporânea mundial, e sua forma de escrever,
detalhada, de um fino humor, mas não deixando de ser profunda, talvez cause no
leitor uma dificuldade de entender sobre o que o autor está querendo dizer.
★★★★ |
Amante da África, tanto que anseia em nunca mais sair do
acampamento que fica ao pé de uma montanha, o personagem — que é o autor — é
apaixonado pela esposa branca, a srta. Mary, mas também tem uma namorada
africana, Debba, pois esse é um dos costumes daquela tribo. A srta. Mary
persegue seu leão para matá-lo, mas só consegue tal feito muitos capítulos
depois. Nos envolvemos nessa caçada, e a trama do livro gira em torno da caçada
ao leão da srta. Mary, tanto que no início de todos os capítulos, acima da numeração,
está a figura do leão. O projeto gráfico está incrível, e a capa é absurdamente
elegante. Temos a sensação de estar na África, visualizar todos aqueles
animais, avistar os pântanos, clareiras, montanhas, e várias vezes questionei
se já não havia visto aquele acampamento em minha vida. Hemingway tem esse dom,
e nos transporta para dentro da África e nos leva juntos às caçadas cotidianas,
que como líder do acampamento, lhe cabe a tarefa de providenciar a carne para o
seu povo.
Para os mais sensíveis, as cenas em que bwana mata os animais, como leopardo, as gazelas tommies, entre
outros animais, é uma triste leitura. Não sou vegetariano, mas me compadeci
daquelas criaturas tão fortemente que cogitei em nunca mais comer carne, pensamento
esse que logo passou. Em uma passagem, já no fim do livro, a srta. Mary indaga à
Hemingway:
“Não é estranho que
amemos os animais e quase todo dia tenhamos de matar um para comer a carne?”
(p.333)
Ao ler esse questionamento, levei um soco na cara. Mas não
irei me estender mais nesse assunto, pois estaria fugindo do objetivo.
Hemingway também reflete sobre o ofício da escrita, faz críticas a autores,
elogia outros, e dá uma leve alfinetada em seu amigo F. Scott Fitzgerald. É por
isso que o livro é tão enriquecedor, pois além de levar-nos para uma viagem
pela África, ele ainda nos brinda com pensamentos e reflexões sobre o que é ser escritor.
“(...)Eu sou um autor
de ficção; logo, também sou um mentiroso e invento a partir daquilo que sei e
ouvi dizer. Sou um trapaceiro.” (p.137)
E aqui me lembrei de outro livro que estou lendo da Record,
do Martim Vasques da Cunha, que desmascara, se assim posso dizer, Carlos
Drummond de Andrade, por ser um escritor dissimulado, o que cabe totalmente
nessa frase de Hemingway. Mas o caso do escritor americano, ele inventa a
partir daquilo que sabe e viveu, e a prova disso é esse Verdade ao amanhecer. Ele também desvenda a complexidade do
casamento, e por que não, de como permanecer casado. A srta. Mary por vezes
está chateada e o questiona sobre vários assuntos, o acusa de ser mau, e recebe
respostas carinhosas e compreensivas.
O momento mais hilário para mim nessa leitura é quando lemos
uma correspondência de uma senhora de Iowa lhe fazendo duras críticas sobre o
seu livro e, ao acabarem as críticas, pede para o autor escrever uma coisa que
preste na vida. A resposta dele? Essa:
“Pensei: aos diabos
com essa cadela idiota de Iowa e suas cartas a pessoas que não conhece, sobre
coisas que nada entende, e desejei-lhe a graça de uma próxima e feliz morte,
mas antes me lembrei de sua última frase: “Por que antes de morrer o senhor não
escreve ALGUMA COISA que valha a pena?” E pensei: você é que pensa, sua cadela
ignorante de Iowa, eu já fiz isso e voltarei a fazer muitas outras vezes.”
(p.333)
Verdade ao amanhecer é um livro complexo, mas que traz muito
conhecimento, assim como muitas tristezas. É um livro que tem
muito o que dizer e nos ensinar, não somente em relação à África, mas sobre a
vida. Sem falar que é uma fonte inesgotável para os aspirantes a escritores,
como esse que vos fala.
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