[Especial] O Lendário discurso de Martin Luther King e como a literatura contribuiu na luta contra o racismo
O ano era de 1863, quando a escravidão foi
abolida dos Estados Unidos da América, com a Proclamação de Emancipação de
Abraham Lincoln, então presidente, realizada durante a Guerra Civil Americana.
Um grande passo era dado. E o esforço de Lincoln, em meio à uma sociedade
racista, o fez um dos mais importantes presidentes da História Americana. Para
saber mais sobre esse momento histórico, ler Lincoln, da
historiadora Doris Kearns Goodwin.
Anterior ao ano de 1863, a história de um
negro livre que foi vendido como escravo virou livro. O relato autobiográfico
de Solomom Northup, que viveu Doze
Anos de Escravidão, logo virou um best-seller, e hoje é reconhecido como a melhor narrativa sobre um dos
períodos mais nebulosos da história dos Estados Unidos. Verdadeiro elogio à
liberdade, esta obra apresenta o olhar raro de um homem que viveu na pele os
horrores da escravidão.
Em 1852, A Cabana do Pai Tomás, foi publicado nos Estados
Unidos. Um livro que foi de grande importância para a abolição da escravatura
naquele país, relata com emoção a história do velho escravo Pai Tomás e os
dramas vividos por ele e seus companheiros.
Em 1875, mais de dez anos
após a abolição da escravatura nos EUA, Bernardo Guimarães publicava aqui no
Brasil Escrava Isaura, antes mesmo da abolição da
escravatura no país. Isaura é escrava branca, mas a obra permeia todo o
contexto do Brasil escravista e apresenta a realidade do negro do século
retrasado.
Já no Século XX, no período conhecido de
Movimento dos Direitos Civis nos EUA, Harper Lee publicava em 1960 o clássico O Sol é para todos, que mais tarde ganharia o
Prêmio Pulitzer. Um livro emblemático sobre
racismo e injustiça: a história de um advogado que defende um homem negro
acusado de estuprar uma mulher branca nos Estados Unidos dos anos 1930 e
enfrenta represálias da comunidade racista. O livro é narrado pela sensível
Scout, filha do advogado. Uma história atemporal sobre tolerância, perda da inocência
e conceito de justiça.
Três anos após a
publicação de O Sol é para todos, Martin Luther King pronunciava o seu lendário
discurso I Have a Dream, nos degraus do Lincoln
Memorial em Washington, D.C. O pastor e ativista, que acreditava na luta
pacífica, em que combatia a força física com a força da alma. O discurso, que
era parte da Marcha de Washington por Empregos e Liberdades, foi decisivo no
Movimento Americano pelos Direitos Civis. Podemos supor, que, com a publicação
de tantos livros, dos quais cito somente alguns, contribuíram para o fim da
segregação racial naquele país, dado que a literatura tem esse poder de
transformar uma sociedade, só pelas palavras. Foi o caso do clássico de Harper
Lee, que se tornou leitura obrigatória nas escolas americanas. Sem dúvida
alguma, os livros foram de grande valor nessa luta contra o racismo. Apesar de
não termos erradicado esse câncer, que é o racismo, até hoje nos comovemos ao
ler essas obras literárias, que nos fazem lutar por um mundo mais justo. Luther
King é o maior símbolo da luta pela igualdade e paz, sendo o mais novo a
receber o Prêmio Nobel da Paz, um ano após o seu discurso.
Para citar somente um livro
sobre esse momento histórico, As Palavras de Martin Luther
King reúne trechos
marcantes de seus discursos, sermões e livros, divididos em temas como racismo,
liberdade, paz e religião. O livro foi publicado pela Editora Zahar em capa
dura. Leia agora o famoso e histórico discurso I Have a Dream (Eu tenho um
Sonho):
"Estou feliz em me unir a vocês hoje
naquela que ficará para a história como a maior manifestação pela liberdade na
história de nossa nação.
Cem anos atrás um grande americano, em cuja
sombra simbólica nos encontramos hoje, assinou a proclamação da emancipação
[dos escravos]. Este decreto momentoso chegou como grande farol de esperança
para milhões de escravos negros queimados nas chamas da injustiça abrasadora.
Chegou como o raiar de um dia de alegria, pondo fim à longa noite de cativeiro.
Mas, cem anos mais tarde, o negro ainda não
está livre. Cem anos mais tarde, a vida do negro ainda é duramente tolhida
pelas algemas da segregação e os grilhões da discriminação. Cem anos mais
tarde, o negro habita uma ilha solitária de pobreza, em meio ao vasto oceano de
prosperidade material. Cem anos mais tarde, o negro continua a mofar nos cantos
da sociedade americana, como exilado em sua própria terra. Então viemos aqui
hoje para dramatizar uma situação hedionda.
Em certo sentido, viemos à capital de nossa
nação para sacar um cheque. Quando os arquitetos de nossa república redigiram
as magníficas palavras da Constituição e da Declaração de Independência,
assinaram uma nota promissória de que todo americano seria herdeiro. Essa nota
era a promessa de que todos os homens, negros ou brancos, teriam garantidos os
direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à busca pela felicidade.
É evidente hoje que a América não pagou
esta nota promissória no que diz respeito a seus cidadãos de cor. Em lugar de
honrar essa obrigação sagrada, a América deu ao povo negro um cheque que voltou
marcado "sem fundos".
Mas nós nos recusamos a acreditar que o
Banco da Justiça esteja falido. Nos recusamos a acreditar que não haja fundos
suficientes nos grandes depósitos de oportunidade desta nação. Por isso
voltamos aqui para cobrar este cheque --um cheque que nos garantirá, a pedido,
as riquezas da liberdade e a segurança da justiça.
Também viemos para este lugar santificado
para lembrar à América da urgência ferrenha do agora. Não é hora de dar-se ao
luxo de esfriar os ânimos ou tomar a droga tranquilizante do gradualismo. Agora
é a hora de fazermos promessas reais de democracia. Agora é a hora de sairmos
do vale escuro e desolado da segregação para o caminho ensolarado da justiça
racial. É hora de arrancar nossa nação da areia movediça da injustiça racial e
levá-la para a rocha sólida da fraternidade. Agora é a hora de fazer da justiça
uma realidade para todos os filhos de Deus.
Seria fatal para a nação passar por cima da
urgência do momento e subestimar a determinação do negro. Este verão sufocante
da insatisfação legítima do negro não passará enquanto não chegar um outono
revigorante de liberdade e igualdade.Mil novecentos e sessenta e três não é um
fim, mas um começo.
Os que esperam que o negro precisasse
apenas extravasar e agora ficará contente terão um despertar rude se a nação
voltar à normalidade de sempre. Não haverá descanso nem tranquilidade na
América até que o negro receba seus direitos de cidadania. Os turbilhões da
revolta continuarão a abalar as fundações de nossa nação até raiar o dia
iluminado da justiça.
Mas há algo que preciso dizer a meu povo
posicionado no morno liminar que conduz ao palácio da justiça. No processo de
conquistar nosso lugar de direito, não devemos ser culpados de atos errados.
Não tentemos saciar nossa sede de liberdade bebendo do cálice da amargura e do
ódio.
Temos de conduzir nossa luta para sempre no
alto plano da dignidade e da disciplina. Não devemos deixar nosso protesto
criativo degenerar em violência física. Precisamos nos erguer sempre e mais uma
vez à altura majestosa de combater a força física com a força da alma.
A nova e maravilhosa militância que tomou
conta da comunidade negra não deve nos levar a suspeitar de todas as pessoas
brancas, pois muitos de nossos irmãos, conforme evidenciado por sua presença
aqui hoje, acabaram por entender que seu destino está vinculado ao nosso
destino e que a liberdade deles está vinculada indissociavelmente à nossa
liberdade.
Não podemos caminhar sozinhos.
E, enquanto caminhamos, precisamos fazer a
promessa de que caminharemos para frente. Não podemos retroceder. Há quem
esteja perguntando aos devotos dos direitos civis 'quando vocês ficarão
satisfeitos?'. Jamais estaremos satisfeitos enquanto o negro for vítima dos
desprezíveis horrores da brutalidade policial.
Jamais estaremos satisfeitos enquanto
nossos corpos, pesados da fadiga de viagem, não puderem hospedar-se nos hotéis
de beira de estrada e nos hotéis das cidades. Não estaremos satisfeitos
enquanto a mobilidade básica do negro for apenas de um gueto menor para um
maior. Jamais estaremos satisfeitos enquanto nossas crianças tiverem suas
individualidades e dignidades roubadas por cartazes que dizem 'exclusivo para
brancos'.
Jamais estaremos satisfeitos enquanto um
negro no Mississippi não puder votar e um negro em Nova York acreditar que não
tem nada em que votar.
Não, não estamos satisfeitos e só ficaremos
satisfeitos quando a justiça rolar como água e a retidão correr como um rio
poderoso.
Sei que alguns de vocês aqui estão, vindos
de grandes provações e atribulações. Alguns vieram diretamente de celas
estreitas. Alguns vieram de áreas onde sua busca pela liberdade os deixou
feridos pelas tempestades da perseguição e marcados pelos ventos da brutalidade
policial. Vocês têm sido os veteranos do sofrimento criativo. Continuem a
trabalhar com a fé de que o sofrimento imerecido é redentor.
Voltem ao Mississippi, voltem ao Alabama,
voltem à Carolina do Sul, voltem a Geórgia, voltem a Louisiana, voltem aos
guetos e favelas de nossas cidades do norte, cientes de que de alguma maneira a
situação pode ser mudada e o será. Não nos deixemos atolar no vale do
desespero.
Digo a vocês hoje, meus amigos, que, apesar
das dificuldades de hoje e de amanhã, ainda tenho um sonho.
É um sonho profundamente enraizado no sonho
americano.
Tenho um sonho de que um dia esta nação se
erguerá e corresponderá em realidade o verdadeiro significado de seu credo:
'Consideramos essas verdades manifestas: que todos os homens são criados
iguais'.
Tenho um sonho de que um dia, nas colinas
vermelhas da Geórgia, os filhos de ex-escravos e os filhos de ex-donos de
escravos poderão sentar-se juntos à mesa da irmandade.
Tenho um sonho de que um dia até o Estado
do Mississippi, um Estado desértico que sufoca no calor da injustiça e da
opressão, será transformado em um oásis de liberdade e de justiça.
Tenho um sonho de que meus quatro filhos
viverão um dia em uma nação onde não serão julgados pela cor de sua pele, mas
pelo teor de seu caráter.
Tenho um sonho hoje.
Tenho um sonho de que um dia o Estado do
Alabama, cujo governador hoje tem os lábios pingando palavras de rejeição e
anulação, será transformado numa situação em que meninos negros e meninas
negras poderão dar as mãos a meninos brancos e meninas brancas e caminharem
juntos, como irmãs e irmãos.
Tenho um sonho hoje.
Tenho um sonho de que um dia cada vale será
elevado, cada colina e montanha será nivelada, os lugares acidentados serão
aplainados, os lugares tortos serão endireitados, a glória do Senhor será
revelada e todos os seres a enxergarão juntos.
Essa é nossa esperança. Essa é a fé com a
qual retorno ao Sul. Com esta fé poderemos talhar da montanha do desespero uma
pedra de esperança. Com esta fé poderemos transformar os acordes dissonantes de
nossa nação numa bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé podemos trabalhar
juntos, orar juntos, lutar juntos, ir à cadeia juntos, defender a liberdade
juntos, conscientes de que seremos livres um dia.
Esse será o dia em que todos os filhos de
Deus poderão cantar com novo significado: "Meu país, é de ti, doce terra
da liberdade, é de ti que canto. Terra em que morreram meus pais, terra do
orgulho do peregrino, que a liberdade ressoe de cada encosta de montanha".
E, se quisermos que a América seja uma
grande nação, isso precisa se tornar realidade.
Então que a liberdade ressoe dos
prodigiosos picos de New Hampshire.
Que a liberdade ecoe das majestosas
montanhas de Nova York!
Que a liberdade ecoe dos elevados
Alleghenies da Pensilvânia!
Que a liberdade ecoe das nevadas Rochosas
do Colorado!
Que a liberdade ecoe das suaves encostas da
Califórnia!
Mas não só isso --que a liberdade ecoe da
Montanha de Pedra da Geórgia!
Que a liberdade ecoe da Montanha Sentinela
do Tennessee!"
Que a liberdade ecoe de cada monte e
montículo do Mississippi. De cada encosta de montanha, que a liberdade ecoe.
E quando isso acontecer, quando deixarmos a
liberdade ecoar, quando a deixarmos ressoar em cada vila e vilarejo, em cada
Estado e cada cidade, poderemos trazer para mais perto o dia que todos os
filhos de Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestante e católicos,
poderão se dar as mãos e cantar, nas palavras da velha canção negra,
"livres, enfim! Livres, enfim! Louvado seja Deus Todo-Poderoso. Estamos
livres, enfim!"
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