Bruno Flores |
A busca por um futuro
melhor e por uma terra mais próspera é um dos temas desse romance. O passado,
presente e futuro alternam-se em uma narrativa riquíssima em detalhes, o que
exige muita atenção do leitor. O autor, ao optar por estruturar a trama de
forma não linear, passa a mensagem que sempre podemos aprender com o passado
para não cometermos os mesmos erros. E é por considerar o passado e os mortos
que os Kitaran do presente não optam por repetir antigos equívocos e alimentar
a rivalidade entre clãs, o que permite que eles continuem existindo, rumo a um
futuro idealizado e que traga a esperança de dias melhores. Os ancestrais de
Tesé, os que fundaram a sociedade Kitaran, caíram no erro de juntar religião e
poder político. Acontece que nos primórdios da sociedade Kitaran, o povo era
representado por um Chefe Supremo, sendo este sempre de um clã nobre e que se
perpetuava no poder. Mas o Sacerdote Uhama, que era tido como o braço direito
do Chefe Supremo, assume o poder quando este morre. Usurpador, Uhama mostra-se
um déspota que diz agir em nome de Manusia, um Ancestral, que segundo a crença
do povo, foi aquele que criou os seres humanos. Cada dia mais autoritário,
Uhama leva a sociedade Kitaran, até então pacífica a rebelar-se, e uma
revolução é iniciada — e como toda revolução, muito sangue é derramado e
valores até então tidos como verdadeiros, agora são deixados de lado em nome da
causa.
★★★★ |
Os personagens do
passado, presente e futuro, têm em comum o desejo por dias melhores. Os
Pemburu, clã de Tesé, que antigamente foi comandado por Tavo — que levou o povo
a rebelar-se — agora vive isolado, e Batuá, pai do jovem Tesé, é o líder dos
Pemburu no presente. Como todo adolescente, Tesé não se conforma com a
realidade na qual estavam vivendo. Com a escassez de raízes e peixes, agora
todos têm que se alimentar com ratazanas e iguanas. Sonha em uma nova terra,
onde a fome não será um problema, mas acaba se convencendo de que essa terra
não existe. Questiona-se também o porquê não poderem atravessar o limite da
Praia da Nuvem e se aventurar pelas montanhas altas, mas perguntar sobre o que
tem do lado de lá é quase como um tabu. Ninguém comenta nada, nem sabe de nada.
Ou fingi não saber.
Para os Kitaran, o
mundo veio à existência depois que os filhos de Céu Pai e Mãe Terra separaram
os dois, dando assim vida ao que agora chamamos de Mundo. Uma crença enraizada
na mente de todos, menos na do desbravador Wangka. Para ele, todos estavam
abandonados e não existia um poder que comandava tudo. Eram frutos do acaso e
estavam abandonados à própria sorte. Encarregado de comandar uma equipe para
descobrir Rumah — um novo lar —, Wangka aceita comandar a missão mas é cético
quanto à existência de uma terra próspera. Um dos momentos mais tocantes do
livro, sem dúvidas, foi quando Wangka teve um encontro com a baleia jubarte e
seu filhote. A baleia trouxe à luz aquilo que só era escuridão na mente de
Wangka. Sua missão também não fora nada fácil, e estava desacreditado quando
teve um encontro com o transcendente, na figura da baleia.
Um livro complexo, que
aborda questões pelas quais estamos vivendo em nossa realidade, escrito de
forma fluida — apesar dos nomes difíceis, porém originais —, é de certa forma uma
metáfora. Para nós que estamos sempre em busca de uma “terra ideal”, ou uma
sociedade mais justa. Sabemos que não poderemos ter um mundo totalmente igualitário,
pois é uma utopia pensar dessa forma. O passado dos Kitaran ensinou às gerações
futuras a não depositar total confiança em um líder que se intitule como porta
voz da Verdade Suprema. Uhama Senyor alegava que fazia tudo por ordem de
Manusia. Desde sacrificar humanos que não concordassem com seu governo, até
mandar na propriedade de agricultores e dizer como/com quem/ e o quanto eles
deveriam distribuir os alimentos que eles mesmos produziam. Além de ordenar
quem deveriam empregar ou deixar de empregar. Tesé foi a ponte para reunificar
um povo que estava dividido entre si por causa de um erro cometido no passado,
e que agora, com a reaproximação, daria continuidade aos Kitaran. A saga épica
termina com a descoberta de um novo lar.
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