Pular para o conteúdo principal

"Espere a primavera, Bandini", de John Fante


Quando o inverno chega, todos ficam descontentes. E se o inverno vier acompanhado de um frio mortífero e da neve, aí a coisa fica mais difícil. O que nos resta a fazer é esperar a primavera e as melhorias na vida que ela pode nos proporcionar. Não haverá mais neve e frio, o papai poderá trabalhar como pedreiro e ganhar dinheiro para alimentar os filhos, os times de beisebol virão para o Sul treinar. E Arturo Bandini espera a primavera com certa expectativa. O inverno trouxe consigo dias esquisitos para a sua família. O pai, Svevo Bandini, natural da Itália, ainda não se acostumou com a América e pensa em sua amada terra na região de Abruzzo. Arturo odeia ser pobre, ter que estudar no colégio católico, ter pouca comida e pouco dinheiro. O inverno trará dias esquisitos para Arturo e toda a família. É o irmão mais velho de três filhos. O mais novo é Federico, e o do meio é August, que sonha em ser padre. Maria se casou com Svevo muito cedo e vive para a família. É loucamente apaixonada pelo marido, que tem lá sua mania estranha de amar. É devota da Virgem Santíssima e se apega ao rosário todas as noites para rezar pela alma imortal dos filhos e de Svevo.


Sua mãe é uma mulher gorda e também italiana. Odeia o marido da filha, e os dois vivem em pé de guerra. Ao saber que a Donna Toscana viria passar o domingo em sua casa, Svevo saiu para beber e não voltou mais. Odiava aquela mulher, o Svevo odiava a gorda da Donna. A avó dos meninos oferece dinheiro para que eles contem se o pai está bêbado, mas eles resistem e nada falam. Maria sabia que seria quase impossível da sua mãe e seu marido se darem bem, havia coisas que até Deus sabia que não daria certo. Arturo, que puxou o pai, é um menino que gosta de aprontar. Rouba dez centavos da mãe para ir ao cinema, mas depois se arrepende, pois pensa se aquilo o levaria ao inferno ou não. Mata uma galinha, mas depois se arrepende, pensando se tal ato seria um pecado venial ou mortal. Odeia o catecismo e a ideia de ir à missa, mas vive se perguntando se aquilo que fizera era pecado venial ou mortal. Temia ir para o inferno, sabia que não teria passagem direta ao céu. Tudo o que deveria fazer era se comportar para passar pouco tempo queimando no purgatório para garantir um lugar no Paraíso. Seu amor por Rosa Pinelli, ah, Rosa!, é um amor de infância e que já nutria há dois anos. Por ela, rouba até um camafeu de sua mãe para dar de presente a Rosa. Mas Rosa não liga tanto assim para Arturo Bandini, pois sabia que roubava. Com o pai sem voltar para casa há dias, Arturo faz o papel de homem da casa. Maria se fragiliza com toda essa situação — a conta na mercearia para pagar, comida para comprar, a pobreza que os aflige mais severamente no inverno. Svevo não volta para casa e Maria aos poucos surta. Ora está bem, ora fica esquisita.

O menino Arturo vê o mundo de forma complexa e sarcástica, e a narrativa tem esse leve tom de sarcasmo e humor. Esse foi o romance de estreia de John Fante, e é aqui que todos os seus personagens se encontram. Declara que nunca mais leu depois de escrevê-lo, pois não pode suportar a ideia de se deixar expor pela própria obra. O livro de pouco mais de 200 páginas é profundo e demonstra que já na sua estreia no romance, em 1938, se tornaria um clássico assim como Pergunte ao pó, que foi lançado no ano seguinte. É um privilégio ler os clássico e conversar com os mortos, pois é isto que a literatura nos proporciona. No Outono, no Inverno, eu espero a primavera chegar. Trecho de uma canção que tem tudo a ver com o título do livro. 



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Leia o conto "O Gato Preto", de Edgar Allan Poe

Não espero nem peço que acreditem nesta narrativa ao mesmo tempo estranha e despretensiosa que estou a ponto de escrever. Seria realmente doido se esperasse, neste caso em que até mesmo meus sentidos rejeitaram a própria evidência. Todavia, não sou louco e certamente não sonhei o que vou narrar. Mas amanhã morrerei e quero hoje aliviar minha alma. Meu propósito imediato é o de colocar diante do mundo, simplesmente, sucintamente e sem comentários, uma série de eventos nada mais do que domésticos. Através de suas consequências, esses acontecimentos me terrificaram, torturaram e destruíram. Entretanto, não tentarei explicá- los nem justificá-los. Para mim significaram apenas Horror, para muitos parecerão menos terríveis do que góticos ou grotescos. Mais tarde, talvez, algum intelecto surgirá para reduzir minhas fantasmagorias a lugares-comuns – alguma inteligência mais calma, mais lógica, muito menos excitável que a minha; e esta perceberá, nas circunstâncias que descrevo com espanto...

O Cavalo e seu Menino, de C. S. Lewis

O terceiro livro de As Crônicas de Nárnia em ordem cronológica, O Cavalo e seu Menino, narra a história de duas crianças fugindo em dois cavalos falantes. Shasta vive em uma aldeia de pescadores e vive como se fosse um empregado do seu pai ‘adotivo’, Arriche. Quando um tarcãa chega à aldeia e pede para se hospedar na casa de Arriche, este aceita sem hesitar. Com um hóspede nobre, o pescador coloca Shasta para dormir no estábulo junto com o burro de carga, tendo como comida apenas um naco de pão. Arriche não era um pai afetivo, acho que ele nem se considerava pai do menino. Via mesmo ali uma oportunidade de ganhar mais dinheiro, e quando o tarcãa oferece uma quantia por Shasta, ele ver que pode arrancar um bom dinheiro com a venda do menino e assim começam a barganhar um preço pelo garoto. Ao ouvir que o seu ‘pai’ iria lhe vender, o menino decide fugir e ir para o Norte — era o seu grande sonho conhecer o Norte. Ao se dirigir ao cavalo, e sem esperar nada, desejar que o animal fa...

A batalha espiritual em "Este Mundo Tenebroso", de Frank Peretti

Uma narrativa empolgante, original, sem muito clichê, eletrizante e até mesmo de arrepiar.    Em Este Mundo Tenebroso, a cidade de Ashton está sendo alvo de um grande plano. Forças malignas querem tomar a cidade para si no reino espiritual, e uma sociedade secreta, a Sociedade da Percepção Universal, quer que a calma cidade americana seja mais uma de suas propriedades. Frank Peretti conduz a história de forma muito fluida, sem fazer o leitor se perder na narrativa. Ora, temos aqui duas ações: a física e a espiritual. No plano físico, Hank Busche, um homem de oração, sente que algo está acontecendo com a sua cidade. Por ser uma pedra de tropeço, Alf Brummel, o delegado de Ashton e membro da igreja onde Hank pastoreia, faz de tudo para que o temente homem de Deus seja expulso do cargo e da cidade. Já Marshal Hogan, um jornalista que comprou o Clarim, um pequeno jornal de Ashton, descobre muitas coisas que não eram para serem descobertas. Os dois são alvos de Alexander M...