A discussão sobre o aborto é bastante polêmica. Aqueles
que são a favor da prática abortiva dão inúmeros argumentos, a princípio
técnicos, para convencer o público de que o aborto é, na verdade,
importantíssimo para garantir a liberdade das mulheres. Mas o que nem todos
sabem é que estes argumentos são apenas retóricos. Os defensores do aborto
apelam para o emocional das pessoas para que a verdade não seja esclarecida.
Pois quando se trata de um assunto tão complexo como este, a busca pela verdade
objetiva é essencial.
Também são retóricos alguns dos argumentos daqueles que são contrários
ao aborto. Então o nosso debate público se restringe ao uso da retórica e quem
for o mais convincente em seus argumentos, não importa se é verdadeiro ou não,
vence. Ou seja, não se trata a questão objetivamente e tendo em vista o que é
verdade e o que não é.
A postura defendida pelo filósofo Francisco Razzo em
seu livro “Contra o aborto” (Record, 266 pgs, R$39,90) é a filosófica.
Para Razzo, os argumentos biológicos, psicológicos, religiosos, etc., não dão
conta de todo o problema. Pois não estamos tratando apenas de alguma parte da
vida do ser humano, mas sim dela como um todo. Querer suprimir a vida humana em
um “amontoado de células” é insuficiente e demonstra apenas a superficialidade
deste argumento, que é bastante comum e óbvio para os defensores do aborto.
“A verdade daquilo que o ser humano é e como deveria viver sua vida não
é objeto de investigação científica, mas filosófica. Um dos principais erros
dos defensores do aborto […] consiste em prescrever o direito de a mulher
interromper a gravidez a partir da análise estatísticas dos números
relacionados à mortalidade das mulheres. Trata-se de um dos erros mais
grosseiros, e que contamina de cima a baixo o debate atual.”
Fazendo um paralelo aos sofistas que mataram Sócrates, o filósofo vê a
mesma os atitude em relação aos ativistas, de não aceitar que existe uma
verdade objetiva que não depende do que eu ou alguém pense que é a verdade,
pois ela não necessita da minha afirmação para ser ou não ser a verdade. Razzo
confronta as ideias relativistas destes e afirma que o que chamamos hoje de
debate sobre o aborto não passa de mera propaganda retórica e ideológica.
Também há uma forte inclinação para a demonização de todos aqueles que não são
favoráveis ao aborto, pois como apelam para o emocional do público, deixam
implícito (até explícito mesmo) que todos os que contrariam estes especialistas
são uns monstros e querem que as mulheres sejam assassinadas e tenham seus
direitos suprimidos. Falam que ninguém tem o poder de subtrair o direito que a
mulher tem em relação ao seu próprio corpo. E nisso concordamos, mas quando
falamos de aborto temos que ter em mente que não se trata do corpo da mulher,
mas sim de outro corpo que depende do corpo da mulher para continuar vivo e vir
a nascer, desenvolver sua vida até a maturidade.
Outro argumento é que esta decisão, de abortar ou não, é de foro íntimo
e não cabe a ninguém se intrometer no que a mulher deseja fazer com seu corpo.
Mas como ironiza o filósofo, a decisão pode até ser de foro íntimo, porém as
contas de todo o processo abortivo quem deve pagar é o Estado com dinheiro
público, que não é privado (óbvio). Páginas após páginas todos estes argumentos
que estamos acostumados a ouvir são esmiuçados e reduzidos a argumentos
insuficientes. Para um assunto tão profundo e complexo como este, pois não
estamos tratando de uma bactéria ou um parasita, argumentos fracos não devem
ser maquiados para confundir o público leigo. “Direito reprodutivo das
mulheres” é sinônimo de aborto, e quando algum especialista defende esses
direitos, na verdade está defendendo o aborto. Ele também analisa com precisão
os casos em que ativistas brasileiros avançaram a agenda abortiva no país, como
quando houve o temor relacionado às crianças que poderiam nascer com
microcefalia.
A guerra contra a vida do embrião, pois Razzo defende que o embrião é
uma vida que já participa da comunidade moral desde a concepção, chega a ser
implacável. Das mais importantes Organizações Mundiais até as ONGs locais, de
políticos, filósofos, celebridades, até mesmo de alguns religiosos, o veredicto
já foi decretado: o feto é apenas um feto e precisa ser eliminado, caso a mãe
assim queira. Mas qual a base para tal alegação? Dizem que o feto não tem
sensações e consciência moral, portanto, não é uma pessoa humana (humano
não-pessoa) e por isso não tem o direito à vida. Já alguns que defendem essa tese,
também defendem que animais não-humanos podem ser considerados como pessoas,
pois estes sentem sensações e tem certa consciência. O direito do embrião à
vida é negado por aqueles que lutam para proteger a humanidade, mas
contraditoriamente se recusam a defender a vida humana desde a sua concepção,
seja por ideologia ou não. Daí segue-se todos os argumentos possíveis, até os
argumentos eugênicos (uns falam favorável ao aborto, pois aqueles filhos de
mulheres negras e das favelas são potenciais criminosos, então o aborto é a
melhor solução para estes ativistas protetores dos direitos humanos).
Francisco Razzo, para mim, é referência sobre este assunto em nosso
contexto brasileiro. Esse livro me esclareceu muitas coisas que não entendia e
fez repensar os argumentos que costumava usar para defender a vida humana desde
a sua concepção. É, como disse a alguns amigos, um livro indispensável e para
estar lendo frequentemente. Para concluir, deixo claro minha posição contrária
ao aborto assim como Razzo deixa claro em seu livro, pois o título é bastante
sugestivo.
“Sou contra o aborto. Ao longo deste livro lidarei com critérios que não
apelas para a fé religiosa. Considero a abordagem baseada apenas em dados da fé
inadequada para o atual debate sobre o aborto. A melhor abordagem enfrenta esse
tema pela filosofia, a qual deve ser neutra do ponto de vista religioso — pelo
menos em um primeiro momento. A filosofia pretende objetividade e
universalidade, por difíceis que sejam, e usa a razão. A fé, sobretudo a
cristã, também pretende objetividade e universalidade, mas parte da Revelação.
Como diz Hegel, nas Lições Históricas da Filosofia: “Na religião cristã,
desenvolveu-se a doutrina segundo a qual todos os homens são iguais perante
Deus, porque Cristo os chamou para a liberdade.” Razão e fé não são
excludentes, a despeito do que o secularismo antirreligioso divulga. Acredito,
porém, que a filosofia em um primeiro momento leva vantagem de examinar com
minúcia e paciência os pressupostos de todas as crenças, inclusive a religiosa,
e não aceita qualquer autoridade que não tenha passado pelo crivo sincero da
dúvida — o que não significa ser contrária à fé, e pode até confirmá-la.” (p.
38)
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