O
começo do livro foi bem nada com nada, me senti perdido. Qual o
leitor que está acostumado com um livro, que conta diversas
histórias sobre os mais variados assuntos, no formato de questões
de vestibulares? Por isso o título “Múltipla Escolha”. É um
chamado para sair do óbvio e forçar a mente a tirar significado de
algo, primeiramente, sem sentido. Algumas páginas adiante já
comecei a entrar na ideia do autor e acabei adorando o livro. Frases
pequenas, com múltiplas escolhas para substituir os espaços em
brancos, faz invocar logo aqueles tempos de escola. Acostumados a
obedecer e ter que marcar alguma alternativa, percebermos o quanto
fomos treinados e não educados, como o autor enfatiza. Aliás, é um
dos assuntos que mais me marcou e proporcionou pensamentos
filosóficos sobre o nosso sistema educacional, onde somos treinados
a dar uma resposta correta, com medo de que não seja a correta,
mesmo que outra alternativa faça mais sentido.
Por que devemos
adivinhar o que o professor/educador acha que é o correto, sendo que
nós também podemos ter outra leitura e outro olhar sobre o mesmo
texto, portanto, extraindo significados que são diferentes do que o
professor acha? Não devíamos exercitar a nossa mente, sermos seres
pensantes e sermos críticos, como dizem por aí? Ou tudo isso são
apenas bobagem, propaganda barata para que os pais se sintam
realizados ao verem seus filhos recebendo uma educação de
“qualidade”, quando na verdade estão sendo treinados a pensar
sob uma, e apenas uma, perspectiva? Tomemos como exemplo o Exame
Nacional do Ensino Médio. Vamos pensar mais sobre os temas da
redação de cada ano. O quanto você mentiu para que pudesse agradar
os examinadores e tirar uma nota alta? Você realmente acredita
naquelas palavras que escreveu ou apenas escreveu aquela redação,
nota alta – 800 a 1000 – para agradar os outros, quero dizer, as
pessoas que corrigiriam a sua redação? São essas reflexões que
você pode tirar com aquelas questões. Claro que o leitor pode tirar
outras reflexões que não seja essa, talvez até saia marcando de
verdade o livro todo e marcando o gabarito no final do livro… vai
saber.
As
questões mais extensas são contos, muito bons, que me fez rir
muito. E vai fazer você rir também, se tiver algum senso de humor.
A história sobre o pai que escreveu uma carta para o filho e contou
que talvez ele não quisesse que o filho existisse, e assim conta a
história dele com a mãe do garoto, que parece ter 18 anos, o
narrador deixa isso no ar, é muito forte. Sim, pensei: se fosse o
meu pai que escrevesse essa carta? Será que ele já pensou nisso,
como seria a sua vida sem filhos? Será que ele queria ter mesmo
filhos, ou foi algo que não pôde evitar? Perguntas essas que são
feitas nas alternativas a ser marcada sobre a leitura desse texto,
que às vezes complementa a história do texto principal.
O
que Alejandro Zambra propõe, acredito, seja que o leitor dê sentido
às histórias que ele escreveu. Qual seria o melhor título? O que
achamos das personagens? O que levaram as personagens a tomar tal e
tal atitude? Qual a mensagem? O que nós faríamos? Tratando de
assuntos sérios, mas sempre de maneira sarcástica, somos convidados
a questionar o que nos tornamos e em quê nos tornamos. Por que hoje
as pessoas preferem ter bichos de estimação e não filhos? E se
abortássemos nossos filhos? Por que o divórcio foi tardiamente
legislado no Chile? Por que as pessoas se casam, para logo depois se
divorciarem? Não seria melhor anularem e esquecer de que um dia
foram casadas? Por que os pais acham que os filhos são como
cachorrinhos, que podem ser domesticados? Por que temos que aprender
algo que não nos ajudará em nada em nossa vida adulta e solitária?
Por que somos protegidos do mundo, criados sob uma redoma, para
depois sermos atirados na ‘selva’? Em uma sentada dá pra ler o
livro, se divertir e ainda questionar sobre essas coisas. Leve e
também filosófico, uma grata surpresa.
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